(re)começando do zero

Eu e a dafne resolvemos reativar o nosso site e aí rolou uma parada interessante: reler alguns dos textos que a gente postou entre 2019 e 2021.

A gente criou a página do videogame cósmico no instagram em 2019, em seguida fizemos o site, mas depois de dois anos paramos de atualizar porque o projeto foi crescendo pra outras direções. Agora que a gente resolveu voltar a postar no site, fui dar uma olhada nos textos pra ver o que dava pra aproveitar, o que poderíamos deixar, o que tinha que mexer etc.

Aí cheguei à seguinte conclusão: não dá pra aproveitar nada. Melhor deletar tudo. (Re)Começar do zero mesmo.

“Tudo? Não dá pra aproveitar nada?” foi o que a dafne me perguntou, e falando assim (– DELETA TUDO, FODA-SE) realmente parece que a gente escrevia um monte de atrocidade, tipo sei lá lei da atração, constelação familiar, arroz por cima do feijão, bora eleger um coach pra comandar a maior cidade do país etc.

Não era o caso. A gente escrevia basicamente sobre as mesmas coisas que a gente fala no instagram até hoje, tipo meditação/yoga/a mente humana/o caratér da existência/a gente existe mesmo ou é tudo uma grande ilusão ou uma matrix ou uma simulação construída por ETs gigantes que vivem além do espaço tempo, essas coisas.

O problema é que era uma grande mistureba. A gente escrevia sobre tantra, hermetismo, cabala, autoconhecimento, meditação, budismo, yoga e por aí ia. A ideia era explorar os ensinamentos dessas tradições variadas, tentando desvendar os mistérios do cosmos usando-as como ferramentas. É o que fazíamos no instagram também; hermetismo, hinduísmo, budismo, yoga, espiritismo, teosofia, todo mundo entrava na dança, ninguém ficava de fora.

E tem alguma coisa de errado nisso? É claro que não. Eu particularmente acho super legal esse estudo comparado das religiões, essa busca das similaridades, dos traços em comum – nesse campo, aliás, vale a pena conhecer os estudos do joseph campbell, que ele apresenta em livros geniais como o herói de mil faces.

Dito isto, a gente mudou. Meio que aconteceu naturalmente, mas acho que era inevitável, porque essa abordagem universalista é limitada. Hoje nós somos basicamente um projeto de divulgação, por meio dos mais variados meios, dos ensinamentos budistas. A gente de vez em quanto até pode falar de algum ensinamento de outras tradições, pra enriquecer a visão que estamos tentando desenvolver, sabe? E também damos aulas de yoga e outras práticas não budistas, mas o foco mesmo são os ensinamentos e os métodos dos budas.

O lama padma samten, um grande mestre budista brasileiro, explica isso com uma classificação das pessoas na jornada espiritual. Ele divide os estágios em blocos, pra gente tentar localizar o bloco em que a gente tá e, se for o caso, avançar pros blocos mais profundos.

Um resumo (bem impreciso provavelmente)  dos blocos:

Bloco -1: pessoas que acham que vão se dar bem prejudicando os outros.

Bloco 0: pessoas com comportamento padrão no mundo atual, sem questionar muito, fazendo suas coisinhas, não pensando em ir além do ordinário.

Bloco 1: pessoas que começam a perceber que tem algo além, que a vida não é só nascer, crescer, comprar, multiplicar e morrer; nesse bloco pode surgir essa tendência universalista, de começar a enxergar as semelhanças das tradições espirituais, todos somos um e todas as tradições apontam pro mesmo lugar.

Bloco 2: aqui a pessoa escolhe uma tradição pra aprofundar, pra realmente fazer o seu treinamento espiritual; no nosso caso escolhemos o budismo; é um bloco longo.

Bloco 3: maturidade e estabilidade da condição livre da mente, que é o objetivo da prática budista.

Bloco 4: andar no mundo dotado da sabedoria e compaixão decorrentes do treinamento para beneficiar os seres em todas as direções.

Repare no bloco 2: é preciso escolher uma tradição, pois é impossível fazer o treinamento, seguir os métodos das várias tradições, todas ao mesmo tempo.

Quando a gente foi pra índia, logo antes de estourar a pandemia, passamos 10 dias no ashram do mestre da nossa tradição de yoga, a gitananda yoga. Numa das aulas com o dr. ananda ele explicou essa questão usando a imagem de uma pessoa que está cavando poços em busca de água. Se você cavar um pouco em cada lugar, não encontrará água nenhuma; a água só vai aparecer quando você escolher o local adequado e cavar fundo.

Além disso, será que todas as religiões levam pro mesmo lugar? São apenas nomes diferentes para apontar a mesma coisa, deus, a realidade absoluta, o todo, o universo?

Certamente é possível afirmar isso, pensando de forma bem ampla. Virtualmente todas as tradições espirituais apontam para uma realidade transcendente, algo que é muito maior que nós, que pode ser meio imperceptível, mas ainda assim existe.

Essa afirmação, contudo, não resiste a um olhar mais apurado. As características dessa realidade transcendente podem diferir bastante de tradição para tradição – os conflitos religiosos, de pequena ou grande escala, têm nessas diferenças um combustível importante (embora saibamos que componentes políticos, sociais e raciais às vezes ficam escondidos sob os argumentos usados nas disputas religiosas).

Agora, por que escolhemos o budismo pra aprofundar?

Eu e a Dafne não sentamos um dia pra ter uma longa conversa em que decidiríamos, definitivamente, qual tradição escolheríamos pra aprofundar nosso estudo e nossa prática, e portanto ser a linha mestra de todo o projeto do videogame cósmico. Como disse, a coisa aconteceu meio naturalmente.

A gente teve uma fase muito forte com o hinduísmo, impulsionada pela nossa viagem à índia, quando praticamos muita yoga e peregrinamos pelo país em busca de templos do deus shiva. Éramos, então, praticamente shivaístas.

Na volta a gente fez formação em yoga, e talvez por um momento pareceu que seria isso, shivaísmo + yoga, o que seria bem interessante, pois no shivaísmo há métodos que conduzem à libertação total e à transcendência de toda a ilusão e do sofrimento, e é isso que a gente queria, que a gente quer, que todo mundo no fundinho quer, afinal, mesmo que ainda não saiba.

Só que em 2021 nós conhecemos o budismo tibetano e tudo mudou. O budismo já era muito forte nas nossas práticas e no nosso trabalho, mas era o budismo theravada, que é bastante focado na meditação e no estudo dos ensinamentos diretos do buda histórico, que viveu há 2.600 anos.

O budismo tibetano é diferente; ele também foca muito na meditação, mas inclui práticas tântricas como mantras e visualizações de deidades, o que nos agradou bastante, já que tínhamos conhecido um pouco do poder dos mantras hindus. Além disso, descobrimos o já citado lama padma samten, um mestre brasileiro com um domínio impressionante dos ensinamentos e um jeito de falar e explicar magnético. Assistir a vídeos do lama ou, especialmente, estar na sua presença em alguma palestra ou retiro é uma experiência e tanto – dá pra perceber que tem alguma coisa diferente ali, que é o que os budistas chamam de realização. Um mestre que tem realização é um mestre que alcançou algum nível de sabedoria profunda que ele não perde mais, não esquece.

E então com o passar do tempo fomos percebendo que a tradição escolhida era o budismo, embora sigamos com um pezinho no yoga, fazendo nossos mantras pra ganesha (que aliás é o padroeiro da nossa comunidade de estudos e práticas espirituais, a ekadanta).

Pra mim o diferencial do budismo é a vastidão e a profundidade dos ensinamentos e dos métodos para alcançar a iluminação. A própria iluminação é descrita pelos mestres budistas de um jeito que eu ainda não encontrei paralelo, uma impressionante riqueza de detalhes e de meios para alcançar a meta suprema do caminho espiritual.

Afirmações fortes

Tem outra coisa que me deixa bolado no budismo: o buda se declara onisciente. Ele disse várias vezes que fez tudo que tinha que fazer, que alcançou uma iluminação insuperável. À primeira vista soa um pouco pedante. Um cara que fala “eu sei tudo que há pra saber, alcancei algo que é insuperável” parece o cara mais arrogante do universo, certo? Mas é o buda falando, então quando eu lia essas coisas eu ficava meio assim. Cadê a humildade do nosso camarada buda?

Aí depois eu fui entendendo. Acho que o Buda falava essas coisas pra gente ficar sabendo mesmo que é possível alcançar algo diferente. O budismo surgiu na índia, um país onde já havia uma tradição espiritual milenar. A meditação, os mantras, o objetivo de alcançar moksha, a libertação, não eram estranhos aos indianos. Mas o buda foi além; os estados meditativos que ele alcançou estudando com mestres do seu tempo não eram a libertação final. O buda então foi pra floresta, ficou por lá 6 anos(!) passando por tudo que é perrengue, até que entendeu tudo, alcançou o ápice da sabedoria e da compaixão. A onisciência.

Tem budistas que afirmam que o que ele descobriu ninguém tinha feito até então. Já o lama samten disse que acredita que dá pra entender que a moksha do hinduísmo pode ser a iluminação completa, e que deve, sim, ter praticantes que alcançaram isso antes do buda.

De todo modo, das coisas que eu estudei, entre hermetismo, espiritismo, yoga, shivaísmo (nem vou citar catolicismo que aí é covardia), não encontrei descrições dos métodos para alcançar a iluminação, e explicações sobre o próprio estado iluminado, tão vastas e profundas quanto as do budismo em nenhum outro lugar. (Sem falar nos resultados da prática budista, que não são menos do que impressionantes.)

É claro que o fato de eu ter estudado muito mais budismo do que as outras tradições nos últimos oito anos deve influenciar nisso, mas enfim. Não é uma competição rs.

Todas as tradições até podem apontar para o mesmo lugar, num nível muito amplo de análise. Porém, se não tem a descrição da iluminação, não tem o método. E no budismo temos ambos: a iluminação, como a possibilidade de superar todo o sofrimento e alcançar a onisciência, e os variados métodos que conduzem a este resultado.

O ponto é que…

…a gente quer apresentar uma justificativa do porquê agora o nosso site e a nossa newsletter não vão mais ser uma salada mista de várias tradições espirituais. E também explicar a escolha do budismo como a nossa linha mestra, em todos os formatos em que a gente atua na internet (instagram, youtube, spotify e agora retomando o site e a newsletter), e também como a nossa prática no dia a dia, nosso estudo e o método que utilizamos em busca da meta do caminho espiritual: a iluminação, a onisciência, pra ajudar todos os seres a se iluminarem também.

Pra isso nós deletamos tudo do site, e recomeçamos do zero exatamente com esse texto. É do vazio que tudo brota, afinal. Vazio é forma, forma é vazio.

Esperamos que vocês sigam com a gente nessa jornada cósmica muito louca.

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Por Pedro Renato

 

 

 

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