
Por que as distrações são tão poderosas?
Eu acho impressionante o fato de a gente decidir fazer certas coisas e, quando tentamos colocar em prática, simplesmente não conseguirmos, por conta de coisas importantíssimas que se enfiam na frente, como… rolar o feed de alguma rede social qualquer vendo memes, fofocas, curiosidades dispensáveis e discursos de ódio ocasionais (ou nem tão ocasionais assim).
Chega a ser cômico.
Decidimos nossas prioridades até com alguma solenidade: “É isso que eu quero fazer com o meu dia, com a minha semana, com a minha vida! Então é isso que eu vou fazer, porque é o melhor pra mim, vambora!” Corta pra meia hora depois e você está vendo mais um vídeo de interações entre gatos e cachorros. (O pior é que esses vídeos de interações entre gatos e cachorros são ótimos, maldito algoritmo.)
Um exemplo.
O projeto do videogame cósmico começou com um livro. É um romance autobiográfico em que eu conto minha jornada espiritual. Comecei a escrevê-lo no longínquo ano de 2017, e a Dafne deu a ideia de criarmos uma página no instagram para divulgarmos o livro. Corta para dezembro de 2024 e… cadê o livro?
Tá certo que a página ganhou vida própria, e criamos uma comunidade de estudos e práticas espirituais, e esse site, e youtube, e podcast… Mas pô, 2017, sabe?
Ao menos o livro tá quase pronto, e esse ano eu retomei a escrita dele com mais afinco. Aí teve uma época, uns meses atrás, em que parei de jogar videogame durante a semana pra escrever, e eu tava curtindo muito o processo. Lembro cristalinamente de um dia em que, sentado de frente para o notebook, escrevendo, olhei para o videogame e pensei: ‘como eu pude perder tanto tempo jogando, tá muito legal escrever isso aqui’. Corta para algumas semanas depois e eu jogando futebol online com os amigos por 2, 3, 4 horas seguidas, dias a fio. E o livro às moscas.
Lembrando que o problema não é jogar videogame, o problema é deixar de fazer coisas importantes pra você por causa das distrações. Um pouco de distração é saudável; muita distração é preocupante.
POR QUE ESSE TIPO DE COISA ACONTECE?
Acho que essa é a primeira pergunta que temos que nos fazer. Entender a causa pra descobrir como lidar com isso.
Na visão budista, as distrações surgem de nossos padrões habituais, que são manifestações de nossas marcas kármicas, que por sua vez surgem dos nossos apegos, que, finalmente, surgem da ignorância.
A partir da ignorância básica de que somos um serzinho separado do resto do cosmos, operamos a partir da impressão muito forte de que existem objetos desejáveis e não desejáveis, e de que, obtendo e estando com os objetos desejáveis, nós alcançaremos a felicidade. Nos apegos a esses objetos e agimos para obtê-los, criando marcas kármicas, ou seja, tendências mentais, padrões habituais que se manifestam na nossa insaciabilidade por distrações.
Todos estamos buscando a felicidade e tentando evitar o sofrimento, certo? Todos os seres, inclusive os animais. O problema é que a gente faz isso dos jeitos errados.
A felicidade que pode ser obtida por meio de objetos é felicidade mesmo? Essa é uma boa pergunta. Tem mestres que dizem que não tem uma gota de felicidade dentro do samsara.
ALGUNS TIPOS DE EXPERIÊNCIAS QUE CONSIDERAMOS FELICIDADE: ganhar dinheiro, fazer sexo, ter um relacionamento, constituir uma família, comprar uma casa, se apaixonar, ganhar uma corrida (ou uma partida de videogame), fazer uma viagem, dormir numa cama macia, comer uma sobremesa com o balanço perfeito entre o doce e o azedinho e a textura macia e a crocância da base e tudo derretendo na sua boca etc.
A felicidade que surge desse tipo de experiência dura quanto? Essa é a pergunta que temos que nos fazer. E a resposta é evidente: dura pouco. E, em geral, dá trabalho. Ir à praia é legal, mas você tem que arrumar todas as malas, ajeitar ou alugar um carro ou comprar uma passagem, alugar a casa (se você tiver casa tem que mantê-la, pagar os impostos etc.), ou montar a barraca (e depois desmontar, deusmelivre), enfrentar o trânsito (na ida e na volta), tem que passar protetor, achar um bom lugar na beira da praia lotada, pagar por comidas e bebidas superfaturadas, entrar no mar mesmo a água estando meio gelada, depois voltar pra casa, tirar a areia, tem que pensar na janta, e lavar a louça, e dar uma varrida na casa, e aí então você finalmente deita na rede pra relaxar e imediatamente capota para a inconsciência porque está podre de cansada.
Mesmo que você seja milionária e não passe por muitos desses perrengues, a felicidade obtida com cada experiência agradável (cama macia, água do mar quentinha, a vista do pôr do sol da sua cobertura) passa rápido, muito rápido. E você precisa de outra experiência. E outra. E outra. E mais uma. E isso, minhas amigas, é o samsara.
A ideia de que não existe uma gota de felicidade no samsara vem do fato de que em cada felicidade transitória está embutido um sofrimento, porque assim que a felicidade desaparece, surge a insatisfação, e então o desejo por outra coisa, e isso não tem fim.
Mesmo que a gente discorde, porque afinal tem experiências transitórias que parecem muito felicidade (aquele sorvete, aquele beijo na boca, aquela aprovação num exame etc.), me parece indiscutível que são felicidades curtas.
Para o budismo, muito trabalho para felicidades curtas não é interessante. O budismo busca uma felicidade de longo alcance. Tipo longo mesmo, uma felicidade que transcende inclusive a morte do corpo.
ONDE AS DISTRAÇÕES ENTRAM NO MEIO DISSO
As distrações são, portanto, fruto desse engano básico de que vamos obter a felicidade por meio de objetos que aparecem para a nossa consciência, enganosamente, como existindo separadamente de nós. Hoje em dia se fala muito da dopamina, sobre como buscamos recompensas rápidas que liberam pequenas doses de dopamina, e ficamos viciados nisso.
Isso nada mais é do que duka, a palavra sânscrita para designar esse ciclo contínuo de felicidade/sofrimento, uma dupla dinâmica que vai provocar muitas confusões na vida de todos os seres em suas aventuras pelo samsara, como diria o narrador da sessão da tarde. Que bom que a ciência moderna está encontrando alguns aspectos da sabedoria milenar budista, né? A sabedoria está disponível há 2.500 anos, mas para quem precisa da famigerada validação científica, tá tendo.
Como evitar, então, as distrações? Vamos de numerozinhos pra leitura ficar mais aprazível:
1 – Meditação. Se você não treinar a mente para permanecer equilibrada diante de qualquer circunstância, bye bye. Você será arrastada pelas tendências habituais da sua mente e continuará buscando a felicidade nos lugares errados.
2 – Estudo dos ensinamentos. Os ensinamentos budistas explicam como a mente funciona e como transformá-la. Unir a meditação com o estudo é o método mais rápido para aprender a soltar dos apegos e cair cada vez menos nas distrações.
3 – Cuidar do corpo. Sem uma alimentação saudável e os exercícios que o corpo precisa é muito mais difícil meditar e estudar os ensinamentos. A prática de yoga, que também é uma meditação, pode ajudar muito aqui.
O ponto é treinar a mente para que ela esteja sempre afiada. Com a mente afiada, temos o equilíbrio, o discernimento e a energia necessários para fazer o que realmente queremos fazer a cada dia, em vez de sermos simplesmente arrastados de um lado pro outro pelos nossos hábitos.
Ah, e o romance que deu origem ao projeto Videogame Cósmico sai em 2025, podem me cobrar.
Por Pedro Renato
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Na Ekadanta, a comunidade de estudos e práticas espirituais do Videogame Cósmico, nós fazemos exatamente isso: meditação, estudo dos ensinamentos, yoga e outras práticas, para deixar a mente afiada e propiciar, assim, a sua transformação. Pra conhecer a comunidade é só clicar aqui.

