A religião mais fanática do mundo

Qual seria a religião com os fiéis mais fanáticos do mundo?

Seriam os evangélicos? Os muçulmanos? Os católicos ortodoxos? Os hindus? Os hippies namastê nova era?

Nada disso.

A religião mais maluca do mundo, a com mais seguidores fiéis totalmente cegos e delirantes, é a Religião da Austeridade – ou quem sabe a Igreja da Austeridade dos Últimos Dias.

Austeridade significa que os governos devem investir somente o mínimo em coisas banais como educação, saúde, infraestrutura, energia, combate às mudanças climáticas. O liberalismo, que é a tese econômica adotada pela direita no Brasil, defende com unhas e dentes a austeridade: os governos não podem fechar as contas no vermelho, de forma alguma. Este é o pecado supremo, a heresia que jogará o governante no quinto círculo do inferno – e realmente os governantes que se atrevem a blasfemar em geral sofrem golpes de Estado e/ou são presos.

O que a direita não conta é que o investimento público só é pecado nos países da periferia do capitalismo. EUA e Europa podem gastar à vontade, podem invadir e roubar as riquezas de países em todos os continentes, como fizeram ao longo de séculos, que tá tudo certo. Eles são o modelo, os civilizados, os santos. Outra coisa que eles não contam é que metade do orçamento do Brasil vai para o pagamento de juros da dívida, ou seja, vai para a mão de especuladores do mercado financeiro, que já são pornograficamente ricos. Com isso o governo pode gastar, quanto mais gastar melhor. E quando for cortar gastos, essa fatia nem entra na discussão.

 

Desastres naturais e administrativos 

 

Pois bem.

Eu moro em São Paulo, e fiquei 48 horas sem luz por causa de uma chuva de meia hora. Uma chuva forte, sim, com muitos raios, mais um evento climático extremo – eles estão entrando na nossa rotina. Ainda assim, não é razoável que na cidade mais rica do país se demore tanto tempo para religar a energia, certo?

Estou escrevendo 5 dias depois da chuva e ainda tem 100 mil casas sem luz. 5 dias! Mais de 2 milhões de pessoas ficaram sem luz depois da chuva, mais gente do que os afetados pelo furacão Milton, que acabou de passar pela Flórida/EUA.

Eu assisti a inúmeras reportagens da Globo sobre o assunto. Incontáveis minutos, horas, dias, mostrando o drama das pessoas sem luz, perdendo comida, remédios, os prejuízos nos pequenos comércios, uma tragédia terrível. Parece um trabalho jornalístico sério, à primeira vista. Mas é apenas hipocrisia.

A Globo defende, por meio de seus comentaristas e editoriais, a privatização dos serviços públicos e a austeridade. Por isso, na maioria das reportagens que eu vi, a empresa PRIVADA que causou todo esse caos, a Enel, é citada apenas de passagem, muito rapidamente. Já o nome do prefeito mal é mencionado, o que é curiosíssimo, já que a enorme quantidade de árvores caídas se deve em boa parte à falta de poda, que é responsabilidade da prefeitura.

No Jornal da Globo apareceram mais críticas à Enel, e um inacreditável discurso do governador Tarcísio de Freitas, com o prefeito Ricardo Nunes ao seu lado, criticando a empresa, que não faria os investimentos necessários para prevenir e remediar os estragos.

Só esqueceram de citar um detalhe: o governador acabou de privatizar a empresa de água do estado, a Sabesp. Vendeu a preço de banana para a Equatorial, uma empresa que está prestando um péssimo serviço de energia elétrica em Porto Alegre, inclusive com apagão.

Ou seja, a Globo, que é a porta voz dos interesses da direita tradicional (da qual faz parte o prefeito Ricardo Nunes) e a extrema direita, que inclui o bolsonarismo e o governador Tarcísio de Freitas, todos eles são entusiastas das privatizações. Só que privatização de serviço essencial não dá certo, porque a empresa quer apenas lucrar. A empresa não está preocupada com a qualidade do serviço, mas sim em aumentar a margem de lucro. Para isso se diminui a qualidade do serviço prestado, não se investe o necessário, se demitem funcionários. E quando dá merda e as pessoas ficam sem luz, um joga a culpa pro outro.

E porque a direita adora vender tudo que seja público? Primeiro porque os grandes empresários do setor privado, amigos e parceiros de negócios dos políticos da direita e dos donos da mídia, ganham muito dinheiro com isso. E será que tem negociata, pagamentos por fora das empresas para os responsáveis pelas privatizações, sim ou com certeza?

Segundo porque o Estado, para a direita, serve apenas para garantir o direito de propriedade da porção mais rica da sociedade. O Estado é o garantidor de que a renda não será distribuída, por meio do controle da quantidade de empregos disponíveis e da renda dos trabalhadores. E o Estado também coloca na cadeia aqueles que são apresentados à sociedade como os inimigos, os responsáveis pelos nossos problemas: pessoas pretas e pessoas pobres.

A direita é cruel. Milhões de desempregados, gente passando fome, gente sem luz, gente que perde tudo na enchente, nada disso importa. O que importa é o superávit! Cortar gastos sociais! É ou não é coisa de fanático, fé cega de uma religião desumana, demoníaca?

 

Pós verdade mata

 

E como a população em geral não percebe tudo isso?

A direita sempre manipulou a informação, controlando a imprensa, os grandes jornais, rádios, televisões. Mas agora estamos na era da pós verdade. Desastres como o que aconteceu no Rio Grande do Sul ou a falta de luz em São Paulo, que seriam desastrosos para os governantes, são deturpados. A direita distorce a narrativa a seu favor porque tem dinheiro, poder, a mídia tradicional, a mídia subterrânea do zap zap e das redes, as fake news. Resultado: prefeitos incompetentes como o de Porto Alegre e o de São Paulo, que deixaram a população das suas cidades debaixo d’água ou sem luz, provavelmente vão se reeleger.

O mundo está caindo sobre as nossas cabeças mas os fanáticos da austeridade continuam sua louca cavalgada em direção ao abismo. Se os ganhos dos que estão no topo da pirâmide se mantiverem intocados, está tudo bem, certo?

Só que agora tem mais um detalhe: o cataclismo ambiental. As condições climáticas para a vida humana estão se deteriorando muito rapidamente. Agora seria a hora de voltarmos todos os nossos esforços para reverter o aquecimento global, repensando as cidades, reflorestando, coibindo a monocultura e o desmatamento, acabando com os grandes latifúndios de pastos e grãos para criação de gado, investindo na geração de energia limpa.

Mas nenhuma empresa privada vai fazer nada disso. Os grandes empresários, os donos da mídia, os banqueiros e especuladores, os políticos de direita, todos estão completamente atirados aos pés do deus capital. E tem o agronegócio, é claro, que também faz parte dessa turma, senta na mesma mesa. São fanáticos, são como esquilos agarrados às suas nozes, sem se dar conta de que a floresta inteira está desabando.

Seria a hora do poder público agir, do Estado fazer isso. Mas temos governos negacionistas e aliados dos que destroem o meio ambiente, como foi o governo Bolsonaro. E temos eles, os grandes empresários, os donos da mídia etc. pressionando governos mais sensatos, como o governo Lula. E dentro do próprio governo Lula temos apóstolos da Religião da Austeridade, como o ministro da fazenda Fernando Haddad e a ministra do planejamento Simone Tebet.

 

O céu está caindo sobre as nossas cabeças

 

Guerra, fome, miséria, incêndios florestais, violência urbana, desastres naturais, tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, e os caras continuam com o mesmo papinho pra boi dormir: cortar gastos, superávit, blá blá blá. Como se os ricos e poderosos não sugassem todo o dinheiro público possível que estiver ao seu alcance. O que eles não querem é dividir com os 99% da população.

Quando não tiver mais água potável e ar pra respirar, nem energia pra manter hospitais funcionando, talvez nesse momento os fiéis alucirazy do mercado financeiro fiquem satisfeitos e comemorem com um happy hour no além túmulo: “Não temos mais hospitais, escolas, nem energia, água ou ar, mas agora o déficit está zerado, não temos mais gasto público nenhum, que maravilha!”

As pessoas precisam acordar, especialmente os ricos e poderosos. Não há dinheiro e poder do mundo que vai protegê-los do colapso ambiental. A não ser que você queira passar o resto dos seus dias dentro de um bunker – por mais luxuoso que seja, não deve ser muito agradável, certo? E mesmo que você seja rico, bancar um bunker não é pra muita gente não.

A Religião da Austeridade é a causa do sofrimento de bilhões de pessoas pelo mundo. É a religião imposta pelos países ricos aos países pobres, para que estes não se desenvolvam. É a religião que vai acabar com a vida humana na Terra, se não for parada.

E ainda temos as guerras: Israel está em modo full nazi, arrastando o Oriente Médio para uma guerra sangrenta, queimando crianças palestinas vivas(!) dia sim outro também, bombardeando vários países ao mesmo tempo. Tudo financiado pelos EUA e Europa, e aplaudido por quem? Mídia tradicional, políticos de direita, de extrema direita, grandes empresários, banqueiros, especuladores…

Precisamos nos unir para evitar o fim da espécie, mas estamos nos matando ou defendendo a Religião da Austeridade, que também mata e humilha incontáveis seres.

Os recursos existem. O dinheiro é uma ficção. A questão é para onde vão os recursos produtivos: para enriquecer meia dúzia ou para tentar salvar a espécie, o ecossistema, para construir um mundo em que todo mundo possa viver com dignidade?

Esse é o ponto.

A Igreja da Austeridade dos Últimos Dias precisa acabar. Nossa sobrevivência como espécie depende disso.

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Por Pedro Renato

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