A (controversa) motivação
Motivação. Uma palavra – aparentemente – controversa, que mudou a minha semana.
Estava eu vagando pelos confins do Threads (você frequenta?), quando vi um tweet (ou thread) de um professor de marketing que dizia que ele cagava para motivação. O que importava de verdade pra ele e aquilo a que ele devia todas as suas conquistas era a disciplina.
MOTIVAÇÃO VS DISCIPLINA: FIGHT
Acontece que eu só fiquei sabendo desse tweet (acho que não gosto de chamar de thread) porque o tal professor reclamou da enxurrada de psicólogos “academicistas” (segundo ele) que vieram corrigi-lo em sua página. Essa correção é o que nos interessa aqui.
Acontece que disciplina teoricamente nem seria algo mensurável cientificamente. E a motivação seria, sim, extremamente importante para alcançar qualquer meta que se queira.
MOTIVO + AÇÃO
A motivação seria O PORQUÊ, o motivo que nos faz acordar cedo, por exemplo, enfrentar um ônibus lotado de manhã para chegar na faculdade e estudar cálculo III. Seria porque nós queremos um futuro financeiro melhor? Porque nós queremos ajudar nossos pais? Porque nós temos o sonho de trabalhar na NASA?
Sem essa motivação, não haveria disciplina no mundo capaz de fazer um ser humano seguir fazendo ações desagradáveis sem nem saber o porquê ou onde quer chegar.
Apesar de o professor do tweet original ter escarnecido dos psicólogos que estavam “querendo ensinar” na rede social, eu tava ali “querendo aprender” rs e meu aprendizado acabou me dando inúmeros insights
TÁ MAS E DAÍ?
Motivação é o primeiro passo no caminho budista. Então, realmente, a bichinha é importante. A motivação vai ditar o ritmo e a constância do nosso caminhar e não adianta fugir ou fingir que a sua motivação é x, se x não é realmente importante pra você.
Explico: no budismo a motivação mais elevada, aquela capaz de conduzir o praticante até a libertação é Bodhicitta. É a vontade de libertar todos os seres e não deixar ninguém para trás. Ela é tão elevada que bodhicitta se traduz como “mente da iluminação”.
Agora a Alexandra, por exemplo, pode fingir para si mesma que ela quer que todos os seres se libertem. Aliás, a Xanda pode até mesmo querer isso de fato. Mas será que esse é o motivo para ela sentar na almofada e meditar por 45 minutos todos os dias? Será que é isso que faz a Xanda ir atrás dos ensinamentos?
Porque se isso não for realmente importante para ela, pode apostar que ela vai começar a falhar na sua prática e nos seus estudos. Numa semana, ela ficou mais atarefada no trabalho e teve que pular as práticas, depois vieram as festas de fim de ano e outros compromissos hiper importantes… e quando vai ver, a Xanda tá lá, soterrada pelos desejos e sofrimentos do samsara e sem conseguir ver uma luz no fim do túnel.
PUTZ, MAS QQ EU FAÇO?
Tá, a Xanda é completamente fictícia, é claro. Mas se você também não tem essa vontade ardente e irrefreável de libertar todos os seres, não se desespere. Nem tudo está perdido. A motivação é o primeiro passo porque é importante e é comum e esperado que a gente esbarre nos nossos desejos individualistas nessa etapa.
Uma recomendação dos mestres é que a gente estude e realmente contemple os tormentos do samsara. Aqui uma dica quente pra você: ler e contemplar “Os quatro pensamentos que transformam a mente”.
(Ah, contemplar é um tipo de prática também, sabia? Pra resumi-la aqui, é uma prática em três partes: primeiro nós entramos em contato com os ensinamentos, lendo ou ouvindo algum mestre, por exemplo; depois tentamos observar o ensinamento na nossa vida, buscando mentalmente exemplos e imagens; por último mantemos nossa mente livre, aberta, silenciosa, em meditação, como se buscássemos enxergar o ensinamento diretamente.)
Existem outras possíveis motivações muito benéficas para os praticantes também e não apenas a bodhicitta. Uma outra é a busca pela verdade. Sabe aquela faísca interna que não nos deixa fechar os olhos e seguir boiando à toa? Aquele ímpeto de descobrir a verdade, de ir a fundo nos mistérios da existência? Essa motivação é muito poderosa, pois não nos abandona e nos faz sempre voltar ao caminho.
O IMPORTANTE
É se cansar do Samsara, galera. Não tem jeito. Enquanto a gente buscar acender o brilho do nosso olhar com comida, relacionamento, trabalho, aprovação alheia, dinheiro, viagem etc. nós vamos ser controlados pelos eventos externos e a conquista deles será a nossa maior fonte de motivação. E nesse caso o sofrimento não é apenas uma possibilidade, mas uma certeza avassaladora.
Pode parecer difícil, mas aí vai um ensinamento do Nagarjuna, um grande filósofo budista do século III, para você contemplar:
“Não há uma gota sequer de felicidade no samsara”.
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Por Dafne